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Mais louco é quem me diz... (publicado na Revista Entre Poetas & Poesias)


Não é possível ser são o tempo todo e em toda circunstância. É necessária uma boa dose de loucura para haver equilíbrio. 

A negação dos impulsos e desejos, já dizia Freud, leva a seu represamento (recalque) que provoca marcas profundas e transtornos e sofrimentos que experimentamos na vida ocidental moderna. Nossa sociedade, que vem desde o Iluminismo grego, é racionalista, idealista (no sentido platônico), visual e permeada de um senso estético idêntico que reflete essa preocupação. A simetria das formas passa a ter importância e simbolizar o que é belo. Isto reflete também um padrão de conduta moral que, na Grécia antiga ainda não era tão inflexível, posto a conduta moral de seus deuses, ou as proposições estoicas de por-se de acordo com a natureza, mas que com o advento do cristianismo se tornou ortodoxa e intransigente. O resultado disso foi uma enorme repressão dos sentidos e das liberdades dos desejos.

É disso que eclode a psicanálise. O método criado por Freud e seus seguidores não serve a nenhuma outra sociedade que não tenha o mesmo vínculo de moralidade sufocante. Indígenas, aborígenes e massais não veriam utilidade na psicanálise, pois talvez não tivessem nada a dizer num consultório clínico. Suas libidos não foram violentamente reprimidas, suas crianças conhecem e presenciam o sexo com muita naturalidade e o experimentam assim que estão maduros para tal.

Que tipo de transtorno poderia surgir da experimentação e da naturalidade do conhecimento do corpo e dos desejos?
Nossas crianças, em compensação, são afastadas dessas vivências e severamente punidas quando esboçam alguma experimentação no campo sexual/sentimental. Em decorrência disso se tornam adultos reprimidos e cheios de medo e sofrimentos. Quando acabam sucumbindo a um ou outro desejo (já que é impossível contê-los todo o tempo) o fazem quando fizeram uso de algum tipo de droga, ou quando foi simplesmente impossível segurá-los. Dessa sensação de incapacidade de manter as rédeas racionais sobre o desejo, advém uma culpa (para usar o termo cristão apropriado) que provoca arrependimento, remorso e uma simbologia de dívida para com suas crenças morais.

Willian Reich, psicanalista seguidor de Freud que depois criou sua própria vertente de entendimento desses fenômenos psíquicos, percebeu isto muito claramente e sua vegetoterapia nada mais era que liberar as tensões sexuais por meio de massagens corporais e principalmente incentivando as relações sexuais que ele dizia quebrar a couraça (termo criado por Freud para designar as coerções morais/sexuais que acabavam gerando a neurose). Foi combatido nos Estados Unidos da América por isso e por suas clínicas sexuais que, dizia-se, eram antros de depravação moral.

Todas as iniciativas que apontaram para esse caminho foram violentamente atacadas no mundo ocidental. A sociedade da Modernidade prefere sua camisa de força psíquica com a decorrente hipocrisia moral nas práticas efetivas do fazer cotidiano. “Melhor fazer o que eu puder para reprimir meus impulsos, mas se eu não conseguir, peço perdão a Deus, faço uma penitência e vivo com o peso da culpa desse ato tentando me arrepender dele o resto de minha vida”.
O problema é que os efeitos disto foram sendo sentidos ao longo da história da ocidentalidade. Se no tempo de Freud e Reich a histeria (vista inicialmente como distúrbio que acometia apenas as mulheres causada pela repressão sexual), a neurose e a melancolia eram os transtornos mais frequentes e recorrentes, todos eles atribuídos por Freud à repressão dos impulsos, no século XX a depressão ganhou enorme destaque, bem como as diversas psicoses e mais recentemente (dos anos 80 para cá especialmente) a perversão tem tido destaque. Note-se, por exemplo, os franco-atiradores que agem sem nenhuma culpa ou sentimento em relação às suas vítimas, ou mesmo as grandes corporações, cujo perfil psicológico (já que são pessoas jurídicas) situa-se entre a psicose e a perversão (dificuldade de se responsabilizar sobre seus atos, dificuldade de manter relações duradouras, mentiras para obter lucros, preferência da pena a agir corretamente se esta for mais vantajosa).

Ora, adequar-se moralmente a uma sociedade com imposições morais tão inflexíveis e duras não pode ser sinal de saúde.

Rita Lee disse uma vez que não confiava em ninguém que nunca tivesse tomado um porre. Entendo essa frase como um alerta para todo aquele que se diz paladino da moral e dos bons costumes. Estes em geral apontam seus dedos para todo aquele que não vive um padrão de conduta definido como correto segundo preceitos religiosos e legais. Deve ser um grande reprimido e tamanha repressão termina por provocar distúrbios imensos que uma hora ou outra extravasam em ondas gigantescas provocando ações perigosas. São essas pessoas que dizem matar por amor, que têm arroubos de ciúmes, que desenvolvem problemas psíquicos de diversas naturezas, gerando dilemas para elas mesmas e para as pessoas que as cercam.

Nós seres humanos somos racionais e emocionais. Querer sufocar os desejos e impulsos o tempo todo sem dar vazão a eles de alguma forma, ainda que seja fantasiando por exemplo, é adoecedor.
O perigo da imposição da moralidade cristã como se tem tentado fazer a partir das candidaturas políticas de membros de igrejas para que os temas polêmicos sejam pautados segundo suas doutrinas, é enorme e profundamente pesaroso. Sabe-se lá que outros transtornos e sofrimentos psíquicos podem ainda advir de uma repressão tão profunda.
Nenhum equilíbrio pode existir sem que seja concedido o mesmo peso a ambos os lados da gangorra.
Salvem-se!

(Esse texto é de Leandro Gaffo, Professor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Geógrafo, Filósofo, Psicanalista, Mestre em Geografia Física e Doutor em Ciências da Religião.

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Luiza Moura

Luiza Moura de Souza Azevedo é Natural de Feira de Santana- BA, Enfermeira, Especialista em Saúde Pública. Psicanalista e Hipnoterapeuta. Mestranda em Psicologia e Intervenções em Saúde. Compositora e Produtora Fonográfica. Com cursos de Francês e Inglês avançados e Espanhol intermediário. Imortal da Academia de Letras do Brasil/Suíça. Acadêmica do Núcleo de Letras e Artes de Buenos Aires. Membro da Luminescence- Academia Francesa de Artes, letras e Cultura. Membro da Literarte- Associação Internacional de Escritores e Artistas. Doutora Honoris Causa em Literatura pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos. Publicou o livro: “A pequena Flor-de-Lis, o Beija-flor e o imenso amarElo”. Instagram: @luiza.moura.ef

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