Treinando percepção espacial no Karatê-do

 




 Diagrama do Kata Heian Nidan




Diagrama do Kata Heian Shodan



O Espaçotempo

Espaço e tempo, pelo menos desde Einstein, são considerados dimensões diferentes de uma mesma constante (o Espaçotempo). 

Na Física newtoniana, a mecânica clássica diz que o tempo é uma unidade de medida universal, uniforme por todo o espaço e independente de qualquer movimentação neste. Já na Física relativista o tempo não pode ser dissociado do espaço e sua medição depende das relações espaciais dos objetos e de seu observador.

Entre essas duas variáveis o tempo é de longe a mais abstrata para nossa compreensão humana. Basta um teste simples para perceber como sua percepção é subjetiva e circunstancial. Você está numa rodoviária aguardando uma pessoa que você gosta muito chegar de viagem. Você aguarda 20 minutos. Quanto parece que você esperou por ela? Aí ela chega, vocês tomam um café e conversam por mais 20 minutos. Quanto pareceu agora?

Este exemplo nos faz refletir que nossas percepções, aquelas advindas de nossos 5 sentidos, estão sob forte influência de nossos sentimentos.

Por mais que tentemos medir um minuto precisamente sem nenhum instrumento isto é muito difícil.

Já no caso da dimensão do espaço, contamos com nossa visão binocular que é especializada em medir distâncias, ainda que não consigamos traduzir isto em unidades de medida que, em sua maioria, são também abstratas.

Mesmo um relógio de ponteiros, um instrumento criado para medir tempo, não o faz. Ele mede o deslocamento dos ponteiros no espaço e associamos isto a uma medida arbitrária de tempo.

O segundo foi definido como 9.192.631.770 ciclos de radiação do átomo de césio 133 desde 1967. Esta medida está em acordo com o modo de dividir o dia em 24 horas e cada hora em 60 minutos de 60 segundos. Mas isso é uma divisão que não é perceptível para nós.

É comum que compreendamos que modificando o tempo, modificamos o espaço. Se você for visitar um lugar de sua infância que não frequenta muito, perceberá mudanças importantes na configuração do espaço, sejam elas naturais ou humanas.

Mas O autor Thomas Mann, escreveu no livro A Montanha Mágica que a mudança do espaço também altera o tempo. Se vamos a uma grande cidade percebemos que as velocidades das coisas, das pessoas, das relações são diferentes, mais velozes. No campo nos parece que o tempo não passa.

O fato é que o espaço só se dá no tempo e vice-versa.

 

O Espaço na Geografia

Milton Santos, um geógrafo baiano que se tornou um dos maiores pensadores da geografia brasileira e a quem tive o prazer de ser aluno, dizia que o Espaço é produzido a todo instante a partir de um processo de apropriação social e política da Paisagem chamado de Espacialização. Por isso o Espaço é para ele um trabalho vivo, uma atualização, enquanto a Paisagem é trabalho morto, já que é herdada pela sociedade que a produz.

 


 


                                                                                                       

 

 


A transformação de Paisagem em Espaço e sua decorrente produção de mais Paisagem, portanto, depende e se dá no tempo e nas conjunturas sociais, políticas e econômicas.

 

Karatê-do

O Karatê-do (Caminho das mãos vazias) é uma arte milenar desenvolvida em Okinawa no Japão a partir de movimentos e preceitos vindos da China.

Sua difusão no mundo se deu após a Segunda Guerra Mundial, ganhando muitos adeptos. Seu ensinamento se funda no método de repetição dos movimentos e dos preceitos que vão se transmitindo dos atletas mais graduados para os menos graduados.

Ainda que esse método tenha garantido bastante sucesso nesse processo de aprendizagem, existem iniciativas e exercícios interessantes que, de forma criativa, estimulam aspectos pouco explorados pelas formas mais tradicionais de ensinamento.

Na semana passada tivemos uma aula assim no Dojô (espaço em que se treina Karatê), ministrada pela Sensei (Mestre) Aline.

Ela posicionou um atleta de pé e lhe pediu que fechasse os olhos, antes entregando-lhe dois pedaços de espuma plástica (macarrão de piscina). Então explicou o exercício a ser executado. Os outros atletas deveriam rodear o atleta de olhos fechados para que este tivesse que, percebendo sons emitidos propositalmente pelos demais, tentar bater neles com os pedaços de espuma (que não machucam).

Após a primeira rodada, o exercício foi dificultado quando os atletas ao redor não emitiam mais sons propositais e o atleta de olhos fechados deveria ainda assim tentar perceber seus movimentos. 

Após o exercício ela discutiu conosco os propósitos da atividade. Percebemos que ela traz muitos elementos necessários à boa prática do Karatê de forma descontraída, ainda que bastante focada e aplicada, exigindo silêncio, concentração, ampliação das percepções sonoras e honestidade, já que os olhos de nenhum atleta foram vendados, pois cabia a ele agir de forma correta.

Além disso, o exercício estimulou sobremaneira a percepção espacial de todos nós, algo que é importantíssimo no Karatê, especialmente na execução dos Katas (séries de movimentos pré-definidos que simulam um combate fictício).

Os Katas têm desenhos assim como movimentos diferentes que aumentam em complexidade na medida em que se evolui na aprendizagem. Cada movimento tem uma função específica que deve ser compreendida e explicado nos exames de faixa.

Um Kata começa e termina no mesmo lugar, por isso a espacialidade é fundamental.

Uma variação desse exercício, também realizada na mesma aula, consistia em um atleta de olhos fechados ser conduzido por outro passando entre cones no chão sem pisar nos tatames por eles demarcados. Este exercício proporcionou grande aprendizagem, pois percebemos claramente problemas de lateralidade (confusão entre direita e esquerda), dificuldades motoras (caminhada obliqua e desviante), pés caminhando em desalinho e não paralelos como devem ser), dificuldades de condução precisa do guia, entre outras.

Mesmo com momentos de descontração, a aula fluiu muito bem e com muita seriedade e aprendizagem tornando-se leve e agradável.

Este é um exemplo de como podemos, enquanto sociedade, nos apropriarmos de paisagens herdadas para construir trabalho vivo e novo. Técnicas simples como estas possibilitam melhoria nos relacionamentos e aprendizagem profunda.

Percepções do Espaçotempo são importantes para que compreendamos que as coisas não existem de forma independente e sem relações entre si. Tudo está intrinsecamente conectado e entusiasmar os jovens com formas inovadoras de ampliar as percepções é estar conectado com todas as mudanças culturais planetárias.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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